Nos velhos tempos, a diplomacia era uma arte discreta, feita de negociaçÔes silenciosas, apertos de mĂŁo nos bastidores e comunicados vagos cuidadosamente redigidos. Hoje, os Estados Unidos reinventaram essa prĂĄtica, transformando a polĂtica externa num espetĂĄculo de entretenimento em horĂĄrio nobre. NĂŁo se trata mais de acordos ou estratĂ©gias de longo prazo, mas de colocar dois bullys na sala, convocar os meios de comunicação e humilhar publicamente um lĂder em apuros – tudo transmitido ao vivo para uma audiĂȘncia sedenta de drama.
O caso mais recente foi emblemĂĄtico. Um chefe de Estado, cujo paĂs trava uma guerra desigual contra um Golias moderno, foi chamado a Washington nĂŁo para receber apoio, mas para ser publicamente humilhado e amesquinhado. O cenĂĄrio foi meticulosamente preparado: uma sala imponente, cĂąmeras posicionadas para capturar cada expressĂŁo, e dois anfitriĂ”es treinados na arte da humilhação polĂtica. Perguntas retĂłricas, insinuaçÔes humilhantes, silĂȘncios calculados e sorrisos condescendentes compuseram o espetĂĄculo. O objetivo nĂŁo era discutir soluçÔes, mas fazer com que a audiĂȘncia – tanto a domĂ©stica quanto a internacional – percebesse que os ventos mudaram e que o protegido de ontem podia muito bem ser descartado amanhĂŁ.
Essa nova diplomacia do reality show reflete uma tendĂȘncia preocupante. A polĂtica externa americana jĂĄ nĂŁo se guia apenas por interesses estratĂ©gicos, mas por mĂ©tricas de popularidade e pela necessidade constante de um novo vilĂŁo ou herĂłi para alimentar o ciclo noticioso. O que hoje Ă© tratado como uma “causa sagrada” pode, em poucos meses, tornar-se um fardo polĂtico que precisa ser lançado aos lobos da opiniĂŁo pĂșblica.
No fundo, esta abordagem nĂŁo Ă© apenas cruel, mas tambĂ©m perigosa. Ao submeter lĂderes aliados a humilhaçÔes pĂșblicas, os EUA transmitem uma mensagem clara: a lealdade tem prazo de validade, depende dos seus interesses econĂłmicos e do humor do dia. Para os adversĂĄrios, Ă© uma demonstração de fragilidade – um impĂ©rio que precisa de espetĂĄculos para mascarar a falta de direção estratĂ©gica. Para os aliados, Ă© um lembrete de que, no grande palco da diplomacia americana, ninguĂ©m estĂĄ a salvo de ser o prĂłximo protagonista de uma sessĂŁo pĂșblica de desmoralização.
Talvez seja um sinal dos tempos. Talvez seja apenas uma fase. Mas uma coisa Ă© certa: quando a polĂtica externa se torna um reality show, as Ășnicas vencedoras sĂŁo as audiĂȘncias. E as vĂtimas? Bem, essas podem acabar esquecidas no rodapĂ© das notĂcias, entre um intervalo comercial e outro.
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